sábado

poema descritivo, de minuto.

 num orgasmo
a luz azul
turquesa quase
neon, austera
austríaca
de tanto frio

projeta
a silhueta
na parede
do quarto

e contorcia
não músculo
tendão
espreguiçando
o corpo como lava
e vulcaniza

então

a luz azul
faísca, pisca
como quem aplaude
o tímido espetáculo

especulo

na quase
escuridão
do quarto

elas

sou eu desfolhada
naquelas

que se deixam
refletir na íris outra
               

domingo

poesia sobre um diálogo na lapa


Disse
como quem diz
que nem
jeito tem

e o que não
tem remédio
está remediado

já?

            *

Duas velas azuis
pra oxalá
ela disse
pras crianças
explica
olhando minha
palma estan-
que trêmula
fixando
o olho
vesgo
de vinho
na
linha
da
minha
mão

como fosse
simples
aquele espaço
entre e já?
nada ali
coubesse
em curso
noutro

                        *

Estanque é como fosse
Uma lanhura
O não-lugar da minha palma
Tattoo ou scar
Ou ficção
Como fosse uma fissura
O não-lugar da minha mão

sábado

som que seria hoje dependesse hoje de mim pra ser

felizmente hoje nem ontem nem [ ... ] depende de ninguém
as vezes nadie, mas principalmente de ninguém e de todoumtudo
e tanto faz, pra mim dá na mesma
ou dá em nadíssimo agudo


ouemtudo
seilá

flor,
não existe linha reta, é tudo corda bamba...

mil beijos

e

até [ espero que ] breve .

quarta-feira

poesia sobre o ocorrido entre as 5:20 e 5:30 e som complementar





o pássaro entra pela janela / esvoaça pra dentro do quarto / bate as asas contra o teto / tromba na parede / topa na quina do armário / empoleira num gancho / [ pego o chapéu na menção de resgate ] / o pássaro  alvoroça com o gesto que nem a bruto ou abrupto chega e novamente espicaça / acaba por ir ao chão / poderia em segundos ascender / lhe custa a vida / ( o gato assiste ao evento atento // não só atento // ávido // não só ávido // assaz // não só assaz // astuto // não só astuto // de dentes e gana à prumo os olhos fixos o corpo inteiro tenciona é flecha do arco antes de inferir o centro do alvo // abocanha ) / [ estupefaço diante do espetáculo / no ímpeto de alma nobre tento salvar o pássaro ao qual está acoplado o gato / trago aquilo até a janela // não basta proferir tabefes // não basta forçar a lateral da boca em que há dente // não basta sacudir no ar aquilo / aquilo está em simbiose // aquilo é uma entidade siamesma // aquilo são um // é natural que seja, assim / aquilo é convidado a se retirar pra que minutos adiante seja o gato ]

terça-feira

um poema

a vida me conta
coisas mexendo
a bocarra em si
lêncio   ou  suss
urro   tão  baixo
que   intuo   por
leitura  l a b i a l


mas


a  sala me conta
históriasemcerta
freqüência de  si
lêncio   ou  suss
urro  tão   pouca
que escuto  com
ouvidocolado  no
c      h     ã      o


mas


o  livro  me  fala
muito além dess
es lábios em  sil
êncio  veemente
mutismo aoqual
assisto sem des
viar a t e n ç ã o


mas


a vespa tem  um
zunido   mutável
segundo a  temp
eratura e compo
sto     por   essa
gama de  ruídos
que  disseco  se
é     v  e  r   ã  o

imagem que gostaria que hoje fosse

segunda-feira

poesia voyeur

uma janela
à frente
da minha
onde há um homem
entre 30 e 40 anos
e não há cortina

o sujeito
anda pela casa
como que perdido
atônito afoito



OU SOU EU?









SOU eu naquela janela
entre 30 e 40 anos
os cabelos ainda tem
melanina, há algum gris
travando
embate
empaco
testando
interruptores
um código pra

aviltar   OU
                 invitar

DESCONHECIDOS

não há cortinas ou móveis
não há livros ou quadros
não há cor nas paredes

aquilo é um cômodo oco
um quadrilátero esvaziado

que é que faz
aquele cara, ALI?







FASTIAGÔNICO
TRINCARDOA
CONSOMOÍDA
CANSARENOSA

som que seria noite fosse hoje noite

quinta-feira

som que seria hoje fosse hoje som



Instruções de uso: Esqueça as imagens. Feche os olhos. Não tem jeito. Não tem pé nem tem cabeça. Fiz um bicho de sete cabeças. Não dá pé nem é direito. Perverso Polimorfo. Auto-erótico. Pulsões parciais. Pulsão de auto-conservação. Pulsão sexual. Teoria do apoio. Escolha narcísica. Troca de objeto. Fase fálica. Fase genital. Confronto com a castração. Medo da perda do amor do pai. Medo da perda do falo. Ele acha que tem. Ela quer ter.Cresça e desapareça. Não foi nada e você fez um bicho de sete cabeças. Recalque. Mudança de zona erógena. Recalcar o clitóris como zona essencial de excitação. Investir na vagina como área predominante. Desejo de ser mãe. Esqueça o bebê que você deseja ter com o seu pai. Mude. O faça com outro homem. Troque a sua escolha objetal. Vá da sua mãe para o seu pai. Saia correndo, tente sair do Édipo. Se iluda. O Édipo não termina nunca. O Édipo positivo resulta numa escolha heterossexual. Inveje o pênis dele, se confronte agora com tudo o que você não vai ter. Fique louca. Não foi nada disso. Não tem ninguém que mereça. Não foi nada ele só recalcou para formar o superego. Ele ainda acha que tem e continua achando, comprando supercarros, superaviões, supermulheres que representam ele mesmo como objeto. Leonardo da Vinci já fazia isso. Amava os objetos como a mãe o amou. O primeiro objeto é para sempre perdido. O encontro é um eterno desencontro. Bicho de sete cabeças. Bicho de sete cabeças. BICHO DE SETE CABEÇAS.

poesia sobre um livro bom de poesia

os muitos poemas que
me ocorreram nesse
elástico zeptosegundo
em que tardei, desde
a livraria até um café
( peço expresso, de início esqueço a água que acompanha. com a água a necessidade de consumo se estende ou se anula na conservação de um dedo derradeiro até a hora em que o poema definir-se entre lixo, algo que me pareça válido ou algo que pode validar na próxima xícara )
eram sem dúvida (ou
tinham a possibilidade
imensada dado o fato
de que não são) melhores
que esse e poderiam talvez
inscrever-me nos anais
(gostaria de algum dia conseguir empregar esse termo esvaziado da ironia e do cômico)
da literatura

           *

o livro que eu lia e que
amanhã voltarei a ler –
espero que – até a última
página era um livro que
eu gostaria de seguir
relendolendo por dias
à fio (e não vou) mas
o livro que eu lia fazia
a voz ( ainda que
muda) coicear, entre –
cortar nos fins das
frases e cujo desenho
do som remeteria à
imagem dum zig-zag de
tamanhos variáveis ou
à varizes



























os espaços vazios eram
lacuna à preencher por
imagens, aquela distância
dura entre as estrofes
(ou cenas) era o lugar
de inserção da imagem
e fosse meu o exemplar
talvez (num dia de
coragem)  pudesse ser
ilustrado
talvez fosse mais válido
o espaço branco que fez
intuir um fotograma
saturado de luz até o
branco completo mas
onde a imagem esteve
e ainda rescinde
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
um corte sem cicatriz
aparente mas que na
memória permanece
sendo corte ou tanto
quanto um corte pode
permanecer na memória

                             *

o livro tinha essa capacidade
de pausar a cena e assim
percorrê-la numa fina
observação dos agentes
estáticos/estatifeitos
que então sutilmente eram
dissecados/desvendados
nos aspectos aparentes
e não-aparentes pelo
onisciente-onipresente
também atemporal visto
que circulava pelo tempo
possível futuro, detalhe de
passado, agora sob lupa
além de por à tona
flashes fecundos das
idéias de cada um
dos agentes –
o livro que eu lia foi
interrompido na página
63 por uma horda de
entusiastas de literatura e/ou
canapés e champanhe que
irrompeu à livraria para a
vernissage

                                               *




quarta-feira

Homenagem ao Arnaldão

poesia(s)que seria(m) hoje fosse hoje poesia(s)



as demais poesias mencionadas estão nesse troço que é lindo, chama  "nome"
e você acha aqui :
(arnaldooficial) ps: clique em Pesquisar e ponha: nome

> um perdão pela explicação à batatinha quando nasce, é que como anta tecnológica & em matéria de lógica, me solidarizo com os meus iguais <

terça-feira

Ártemis e Medéia: uma comparação dos aspectos ligados ao feminino

Resumo:

O que se pretende é fazer uma comparação e aproximação entre Ártemis e Medéia, enfocando as questões ligadas ao feminino e sua simbologia, em especial no que se refere a casamento, parto, estrangeirismo e temas ligados ao selvagem.

Casamento:

Na Grécia antiga o casamento era uma questão primordial para as mulheres, pois, além de inseri-las na vida social, tornava possível uma vida, na medida em que a cultura patriarcal fazia com que a mulher sempre dependesse do homem. “No interior do consciente coletivo do Ocidente cristão, tem-se como aceito que o homem é o parceiro dominador, o intrépido, o objetivo, o ativo, o agressivo. A mulher, porém, caracteriza-se eo ipso pela subjetividade, passividade, receptividade e sensibilidade.” (MALAMUD, p. 80).

Tanto Medéia quanto Ártemis fogem do padrão quanto ao que se espera de uma mulher no que refere ao casamento. Ártemis é a deusa virgem, a que recusa qualquer contato sexual/ amoroso. “Aquilo que é tão íntimo à humanidade - a relação entre os sexos – é totalmente alheio a ela.” (MALAMUD, p. 74). Se nega a casar e a se submeter ao jugo de um homem. Ártemis é livre, dona de si, que não se atem aos amores, que não se vincula aos homens e às paixões carnais. “A transformação das meninas em ursas na Arctéia torna-as animais selvagens, o que as faz assumir, portanto, um papel contrário àquele que lhes será atribuído como esposas e mães na sociedade grega.” (FLORENZANO 1996, p. 26). Aproxima-se do mito das amazonas, mulheres guerreiras que repudiavam qualquer coisa da ordem do masculino. “...desapego aos homens e pelo ódio contra eles.” (MALAMUD, p. 65). “Como se sabe, essas mulheres misteriosas não davam importância ao casamento em geral, nem aos homens e filhos em particular.” (MALAMUD, p. 64).

Já Medéia casou-se tarde e movida por amor, o que era incomum na Grécia antiga. “Na literatura do século IV AC, personagens desesperados por casar com pessoas por quem se apaixonaram perdidamente são objeto de zombaria e de risos.” (FLORENZANO 1996, p. 42). No entanto, mesmo ao se casar, Medéia subverte o papel de passividade dentro do matrimônio com que se reveste a mulher grega. Ela é uma mulher pensante, inteligente, dominadora e apaixonada. Atributos impensáveis para a mulher da época. “Vezes inúmeras nos entregamos a muitas e sutis divagações ao meditar sobre temas mais altos do que às mulheres é normal versar.” (EURÍPIDES, p. 64). Ela não se sujeita o que lhe é imposto como destino pelo marido. Mas só subverte mesmo o que é dela esperado quando Jáson trai o amor deles, por que, mais do que trair um juramento, uma institucionalização do relacionamento, Jasão traiu o amor.

“Choramos por teu sofrimento enorme,
desventurada mãe dessas crianças,
pois vais matá-las por causa do amor
que teu esposo perjuro traiu
só para conquistar outra mulher!” (EURÍPIDES, p. 60)

Assim Medéia acaba com o que resta da família. Mais uma vez ela mostra o seu lado forte e potente ao não aceitar a sua condição de esposa injustiçada e traída. Não acata as novas ordens que lhe impõe um destino tão duro. Medéia, uma mulher que se deixa ao encargo do homem, cede o seu orgulho para a autoridade de Jáson. “...de modo geral, o casamento na Grécia antiga –como instituição- pode ser visto como uma união do homem e da mulher com o fim explícito de procriar filhos legítimos e dar, portanto, continuidade ao oikos do marido.” (FLORENZANO 1996, p. 41). Para ela, o casamento com Jáson não foi um mero negócio, como costumavam ser as uniões, mas um amor extremo que a fez trair as suas próprias raízes. Rebelando-se contra a autoridade de Creonte e desobedecendo Jáson, Medéia altera a história de todos os envolvidos na tragédia.

“Logo te casaste
com o homem que te fala e, depois de lhe dar
dois filhos, imolaste-os às tuas bodas
e ao leito nupcial. Jamais ouve uma grega
capaz de um crime deste, e eu te preferi
em vez de outra.” (EURÍPIDES, p. 74)

Parto

Como deusa do parto, Ártemis é a deusa do lado selvagem da mulher. “Finalmente, ao gerar um rebento, tal como acontece com os animais, o parto- com os gritos, as dores e esta espécie de delírio que o acompanham, o lado selvagem da feminilidade...” (VERNANT 1985, p. 26) Quando a mulher está em trabalho de parto, ela entra em contato com o que há de mais visceral e selvagem do feminino. Ela sente dor, sangra, chora, grita e, finalmente, expele a cria, se aproximando de todas as outras fêmeas do mundo animal, pois o parto em essência é o mesmo para todas. Medéia fala dessa dor animal, “Melhor seria estar três vezes em combates, com escudo e tudo, que parir uma só vez!” (EURÍPIDES, p. 29). “Criei-vos, filhos meus, em vão, sofri em vão por vós, dilacerada nas dores atrozes do parto!” (EURÍPIDES, p. 62)

Medéia e Ártemis têm esse encontro com o aspecto natural das mulheres, as duas são movidas pelo animalesco e selvagem que há em cada mulher. As duas nutrem, amam e cuidam. Ártemis protege as crianças até que essas possam ultrapassar o rito de passagem e cruzar a infância para o mundo adulto. Ela faz essa ponte, cuidando para que cheguem seguros até lá. “Ela cuida de todos os rebentos, dos animais e dos humanos, sejam machos ou fêmeas. Sua função é nutri-los, fazê-los crescer e amadurecer até que se tornem plenamente adultos.” (VERNANT 1985, p. 21). Medéia também tem esse cuidado com os seus filhos -

“... mas ela nos olha,
a nós, criadas, com o olhar feroz
de uma leoa que teve filhotes,
se alguém se acerca com uma palavra.” (EURÍPIDES, p. 26)

Tal qual uma leoa, protegeu seus rebentos. Tinha afeto por eles e é justamente por isso que os sacrifica. Para Medéia, não há prova de amor maior do que o infanticídio que comete.

“Pobre de mim! Que dor atroz! Sofro e soluço
demais! Filhos malditos de mãe odiosa,
por que não pereceis com vosso pai? Por que
não foi exterminada esta família toda?” (EURÍPIDES, p. 24)

Ela é apaixonada pela família que agora está dilacerada por culpa de Jáson. Mas seu amor à sua honra e a Jáson é maior do que qualquer coisa e, então, ela faz o impensável. A sua dor é tão grande, não havendo mais sentido em semear nada e ela, então, mata os filhos, pois esse seria o único jeito de atingir Jáson, de fazê-lo sofrer como ela sofre. Sem este, não há sentido em continuar a viver.

“Corifeu: Ousarás mesmo exterminar seus próprios filhos?
Medéia”: Matando-os, firo mais o coração do pai.
Corifeu: E tornas-te a mulher mais infeliz de todas.
Medéia: Terá de ser assim. Deste momento em diante
quaisquer palavras passarão a ser supérfluas. (EURÍPIDES, p.53)

Estrangeira:

Tanto Ártemis quando Medéia são estrangeiras.

Quanto a Ártemis:

“...os próprios antigos a qualificam como xéne, estrangeira...à “estranheza” da deusa, a sua distância em relação aos deuses, à alteridade que reveste.” (VERNANT 1985, p. 16)

“...Ártemis é uma das divindades gregas que os gregos imaginam não pertencer à Grécia, como um deus vindo de fora, do estrangeiro.” (VERNANT 1985, p. 30)

“Estrangeira, bárbara, selvagem e sanguinária, a Ártemis táurica pertence a um povo que se situa nos antípodas da Grécia.” (VERNANT 1985, p. 30)

E Medéia:

“Ás vezes, todavia, a desditosa volve
O colo de maravilhosa alvura e chora
consigo mesma o pai querido, sua terra,
a casa que traiu para seguir o homem
que hoje a despreza. Frente aos golpes do infortúnio,
sente a coitada quão melhor teria sido
se não abandonasse a pátria de seus pais.” (EURÍPIDES, p. 20)

“Meu pai, minha cidade de onde vim
para viver tão longe, após haver
matado iniquamente meu irmão!” (EURÍPIDES, p. 26)

Estar longe da própria terra já faz com que o humano se sinta em um estado extra-ordinário. Ser estrangeiro implica em não ser natural no país em que se vive. É justamente essa sensação de estranheza que permeia toda a trama de Medéia, fazendo com muitas vezes ela se sinta só e deslocada-

“Estou só,
Proscrita, vítima de ultrajes de um marido
que, como presa, me arrastou a terra estranha...” (EURÍPIDES, p. 29)

Ártemis se reveste desta estranheza, o que a possibilita também ir contra o padrão. Não é uma deusa “normal”, é a deusa do parto, mas repudia o sexo. Protege as crianças até o rito de passagem, mas vai contra o casamento (marco simbólico do mundo adulto). Ela é marcada por essas contradições.

Selvagem:

As duas são mulheres selvagens. Ártemis - “A deusa do mundo selvagem, em todos os planos: os animais selvagens, as plantas e as terras não cultivadas, os jovens ainda não integrados à sociedade ou civilizados. Seria também uma deusa da fecundidade, que faz crescer os vegetais, os animais, os humanos.” (VERNANT 1985, p. 17) e Medéia -

“Para desespero meu
fui aliar-me a uma inimiga, uma leoa
e não uma mulher, ser muito mais feroz
que os monstros mais selvagens.” (EURÍPIDES, p. 74)

Para Ártemis, a ligação com o selvagem se dá pela conexão com a natureza e seus animais, “...uma atração sem limites pela natureza indômita, com suas montanhas, florestas e animais...” (MALAMUD, p. 76). Deusa caçadora, que ama as florestas, os cães e as corças. Ela é uma deusa que pode se conectar com o mundo bárbaro, mas também com o civilizado, (“Mais que de um espaço de total selvageria, representando uma alteridade radical em relação à cidade e as suas terras humanizadas, trata-se dos confins, das zonas limítrofes, das fronteiras onde o Outro se manifesta no contato que regularmente se mantém com ele, convivendo o selvagem e o cultivado, em oposição, é verdade, mas também em interpenetração.” [VERNANT 1985, p. 18]), ficando sempre como uma ponte entre esses dois mundos, conectando-os através do apoio que concede aos jovens em seus ritos de passagem. (“Ela trata de tornar de certa forma permeáveis as fronteiras entre o selvagem e o civilizado...” [VERNANT 1985, p. 20])

Medéia traz em si esse aspecto selvagem ao ser uma mulher feiticeira. Ela vem de um lugar habitado por homens bárbaros e, nas novas terras em que é levada por Jáson, é temida por sua feitiçaria, o que é expresso muito bem em uma fala do rei Creonte:

“Muitas razões se somam para meu temor:
és hábil e entendida em mais de um malefício...” (EURÍPIDES, p. 30)

Sempre houve no imaginário dos homens o temor quanto às mulheres poderosas, capazes de invocar as artes ligadas ao oculto. Mas ela também ajuda com essa bruxaria. É o caso do diálogo com Egeu, em que Medéia promete ajudá-lo em troca de acolhimento.

“...graças a mim
não ficarás sem filhos, logo serás pai;
conheço filtros com essa virtude mágica.” (EURÍPIDES, p. 49)

Conclusão:

Esse trabalho se propôs a aproximar duas mulheres importantes na mitologia grega que poderiam ser vistas como opostas. Nessa tentativa de aproximação se pode comparar as diferentes questões ligadas ao mesmo tema. Duas posições, que teoricamente ocupam lados opostos, falam da mesma rebelião – que é a subversão do papel da mulher grega. “Quero ficar; não devo duvidar de ti, mas a mulher é fraca e chora facilmente.” (EURÍPIDES, p. 57). Com ironia, Medéia explicita o que se é esperado desse papel: “Tens a ciência e, afinal, se a natureza fez-nos a nós, mulheres, de todo incapazes para as boas ações, não há, para a maldade, artífices mais competentes do que nós!” (EURÍPIDES, p. 35). As duas são bárbaras, estrangeiras, contraditórias, viscerais, punitivas. As duas rechaçam as obrigações sociais. É possível dizer que, talvez, tenham sido as primeiras feministas a se voltar contra a sociedade machista e patriarcal: “Não vejo a hora em que se louvará o nosso sexo e não mais pesará sobre as mulheres tão maldosa fama.” (EURÍPIDES, p. 35)

Bibliografia:
• Eurípides. Medéia. Trad. de Mário da Gama Kury. Jorge Zahar Editor, 1991.
• Florenzano, Maria Beatriz Borba. A puberdade: os Ritos de iniciação (Nascer, viver e morrer na Grécia Antiga). Editora Atual, 1996.
• Vernant, Jean Pierre. A morte nos olhos. Jorge Zahar Editor, 1985.
• Kerényi, Karl. Uma imagem mitológica da meninice: Ártemis.
• Malamud, René. O problema das Amazonas
• Brandão, Junito de Souza. Helena, O Eterno Feminino. Petrópolis, Vozes, 1989.

... que seria hoje fosse hoje ...


Instruções de uso: dê corda nos dois ao mesmo tempo.

segunda-feira

Caos.

um poema mais instruções pra exibição de vídeo e som complementar

Instruções :
Dada a minha incompetência e falta de saco para editar eu mesma um vídeo, peço que:
1. pulem os primeiros dois minutos do vídeo (da globo)
2. retirem o som do vídeo (da globo )
3. dêem play no outro vídeo ( da Janis )
4. com o áudio da Janis, assistam.

segue o poema abaixo, escrito no ínterim desses fatos, retrabalhado/revisitado por agora:

agora, as chamas invadem a cidade
só agora chegam tímidas ao asfalto
nessa cidade que tem
índice de mortalidade
de guerra civil, há anos
agora, uns estupefatos
frente à tv globo
babulciam a interrogação
como ?

agora é tarde
Inês é morta.

Inês e Cláudio, Marcos, Joaquim
Carlos, Pedro, Eraldo, João, José
(outros tantos)

pra burguesia proporão paliativos
à mão atada e cara de babaca:

caminhar na Lagoa
pedindo paz
mas,

fora um Mercedes carbonizado
a Lagoa vai muito bem, obrigada

#

o exército mulambo é lindo
é uma serpente disforme
tingida de poeira na encosta
AR-15, fuzil, metralha e esse
passo descansado de soldado

debandando

até que o salvador da pátria
fardado, começa a brincar
de tiro ao alvo

num fodido porém armado
moleque de nem dezoito que quis
um tênis da nike, um troco pra velha, uma bike
e depois,
um pouco mais

até tentou trabalhar no bob’s
uma grana rala
muita gente escrota
no shopping
escrotérrimo
ele foi escrotizando
até tentou extravasar cuspindo
no hambúrguer, no refrigerante

não deu

#

em alguma esquina da Tijuca
do Cosme velho ou do Centro
um sênior dá instruções pro menor:

“pega um fósforo
acende o meu cigarro
taca gasolina nesse carro”




sábado

um sorriso

alguns neologemas

#

plurivociferatriz
[silênciaudaz]
sumismo solsticioso
[rouquideirice]
dentrentranha solapada
[sordisoslaio]
obscuressência sóbria

VENDAVELADA

#

Tolhidoída
Trapisloucando
Trepilusendo
Luzificando

Se Amargureta
Remedifica
Orquídearía
Pra Treslouser

#

       mitifiz á mim
    prosoperene
        e na projeção
    solidifaço
     do que sublimar
             mormaçerei
         a cruza cabal
            ar denso e aço

#

TRONXO
STUFFADO
UM BELO BRAIN
JAZZ - GELO
ESTURRICADO

#

FOLCLORO :

alveja
Vias
Vai Venal de Vez
Varrer
Vermelho

#

brumaNTO
ATORDOENTOA
UM BRADORMIDO
de inSOLÚGUBRES
CUJO soneSCASSO
É SONHardido

#

SILVO ARGUTO
de AZEDOÇE AÇOITE

                                                quando estala é prata
                                                            prêt-à-porter
NUMA – MALHA – LEVE – ESPUMA – PLUMA

s’inda sibilar se faz chicote
sublime, se empunha a pitonisa
                á fazer de pítio submisso
                   numas de dominatrix; algoz

                                    lê nos talhos dele um tal destino

#

AZEDOÇICADO
AÇOITERNURA
MINGUENTUMECEU
A ÍNGUA-LÍNGUA
NO QUE A BOCA ENGRUTECIA OCA
EIS QUE A GRUTA É QUE
DEGRINGOLIA

#

           résalva
 salisilvada
           tezsende
assimcinde
           emsimonia
  algumrés

[que]

se atado ao peito
   vê simpleza
               por beleza
                             à cinza

#

ESTREBUCH’ÁGUA
SALOBROREADA
ENFASTEANDO
DE TRAGAR NAVIOS
NO DEVAGARMENTE
D’UMA ESPUMA ESPEÇA
PEÇA DA PEÇONHA
D’UM MAR SORRIDENTE

#

orquidiário
absurdado
vitemefeito
em vitreovário

redomaleável
que é a bolha
estouresturrica
no que desenfolha

resfolerefaz
desentreformada
estruturardida
nem bem zás
já traga

quarta-feira

obsoleto [ou] com o que se parece uma alma possível

um tanto sádico

lagartas robustas se embrenhariam no emaranhado
dos pêlos pubianos, na penugem da nuca
deixando entrever a pele, empolada

[ primeiro, o laranja que se vê sobre o metal
se é tanta a ferrugem e faz-se a forma
de um mapa talvez de um globo possível ]

espasmos próprios de crise epilética
então, um grito
cortaria
o ar

[ talvez brincar de colher teu grito
pôr dentro dum vidrinho lacrado – aqui, o grito
como o ar de paris certa vez aprisionado
ou as vontades que moravam nos ventres ]

porque vermelhas, as lagartas
tomariam sua nova cor por elogio
contentes se esfalfariam mais e contundentes
pensando talvez instilar mudanças outras
bem-sucedendo em quase susto
obteriam toda uma escala de colorações
somente captáveis por olhares acurados

[ os mínimos deslumbres infantíciosos
de que são capazes os tolos, possível unicíssimo triunfo
sobre os Homens de Ciência e Densidade ]

rósea no entorno, qual mucosa
alaranjado ardente aurifamante
vermelho-china vivaz, encarniçado
rubi sanguíneo abrasador, arredio
magenta amuado degradê pra vinho
pink aberratório, anti-natural
ruivacento pontilhado

[ cosmos aflitivo ]

domingo

Feitura de um curral de tempo:


*

( no encalço 
do gesto 
segue o levante 
de ar corpóreo, aveludado
de cheiro-movimento-peso
e baila uma espiral
de ácaros num 
feixe de sol )

*

1. fechar um quarto cru
- sem móveis, vida, memória -
em que no chão se tenha desenhado
à giz um quadrilátero perfeito

2. tendo anos à gosto retirar
cuidadosamente a película
fina que encobre o quarto
 - os dias, a ausência, os ácaros
o frio ainda que seja alto verão -
salvo aquela inscrita no espaço
delimitado à giz no chão

3. sentar e observar o tempo
encurralado
em um quadrilátero perfeito

*

( tudo sabe
a poeira )
 



quarta-feira

onde:



[a poeta desencana formalmente após descobrir estupefata uma nota do jornal onde seu corte de cabelo recebe os cumprimentos e é algo em comum com Justin Bieber e Camila Pitanga]

dei-me conta num desses
relâmpagos íntimos mais como lanterna em fim de carreira

quiçá é esse eu unicíssimo não mais que bosta rala?
acervo acentuado de idéias simples encadeadas
um trenzinho estrombólico de brinquedo e à vapor
desprendendo cádmio, monóxido de carbono, chumbo
– de trilha – balão mágico/superfantástico pra coicear na vitrola -

uma pira arcaica carrega pela mão pequeninas piras frescas
todas obedientes à beça, catitas, caladinhas, comportadas

dentre elas um filhote de pira-espelho brinca de bailar no rio
(escorrega, quase afoga) na fissura, no clone do cristo, naquela parada
em escorpiões, vilões boa pinta, nothing/anything rebarba de sweet dream
mas com essa carinha six-teen e calça-curta, ergue a fuça: nem água e dá
de ombros pra reflexo (côncavo/convexo/?), corte, caco e corante coral

nessas, o incrível insite

a dita imagem, entre escatologia e miragem, satura até a tampa
é não mais que o arquétipo em voga, quiçá capa da vogue mês passado
amplamente divulgada, a fêmea alucinada, dúbia, confusa
prostituta casta, misantropa extravagante, vai do asilo à suruba
pop pseudo intelectual, porqueira transcendental, adúltero-romântica
frangote frágil, potência duma caralhada de cavalos, egomaníaca, totalmente erotizada
perversa à pampa, prestes a ser canonizada, megalomaníaca sem estribeira à vista
quase crucificada, linchada, apedrejada e vítima de toda a gargalhada
ridicularizada, desprezada, frequentemente ironizada

uma piada

e pode sempre ser Madonna, Britney Spears, Lady Gaga
pode sempre ser Mariana (atriz pornô por acidente, difamada e esquecida),
Bruna Surfistinha (ex-prostituta pródiga autobiografada)
Geisy (vítma de builling devido à mini-saia, acolhida pela mídia e letrada)
pode sempre ser Dita Von Teese (de cinta-liga e chicote)
Gretchen (dançando conga)
Titiolina (e seu ilustre potro)
e pode sempre ser Ana Cristina (poeta, marginal e suicida)
Rita Lee (porralouca na vida e no palco, mostrando a bunda só pra gastar onda)
Pagu (comunista, modernista, também poeta e, naturalmente, do contra)
e pode sempre ser Barbarella, Gulivera, Emmanuelle
e pode sempre ser a Vovozinha, a Vizinha, a Moça sentada do lado agora

[e a gente até podia ficar nessa sempre, mas não vai, felizmente.]

segunda-feira

Namíbia 4


primeira parte

“A imaginação é a memória que enlouqueceu”
Mario Quintana


1950, (...)

Cena 1

chega trôpego

[ as portas de vidro e arabesco acobreado do hotel
escada de mármore branco
papel de parede em motivos barrocos verde água e sépia ]

[ som dos passos ]

sobe
cai na cama

[ o quarto cinza esbranquiçado
a natureza morta no quadro sobre a cama
a mesa de mogno gasta, crua de adereços
as cortinas ásperas, creme
o piso de lajotas sanguíneas desgastadas ]

espirala
cessa tudo;
é breu dentro do olho

Cena 2

entra a moça

[ 17 anos, o papel vergê A3 e prancheta
exausta de todo o dia coletando face alheia
nalgum boulevard – qual?
as ancas ainda poucas, estreitas.
o rosto frágil
os ossos dos cotovelos e joelhos
claros, nítidos, pontiagudos
pontuando a carne ]

o estranho na cama de lençóis
de linho? de algodão ?

[ voz em off ]

– era minha a cama, e o estranho...

[ na cama alugada do quarto impessoal
o lençol branco, o quarto exatamente igual
aos da coluna correspondente no edifício ]

Cena 3


[ voz em off ]

– que se tem a perder?

cena muda, de corpos e atos;

[ ela sóbria, suscetível, só
o noivo que a espera na Suécia
oficial da marinha cuja beleza
de maxilar proeminente impõem austeridade
uma família de relativa liberalidade
ela estrangeira estudando arte
veio ao mundo num 29 de fevereiro
aniversaria de quatro em quatro anos. ]

Ela – abre a porta
e fecha, um gesto rotineiro

Ela – o corpo se move como dum gato
eriçando pêlos e membros
mescla de raiva, adrenalina, curiosidade

Ele – se move na cama
gira o corpo
ressona
ronca um pouco

Ela – reclina o corpo
encosta no homem
semi defunto exalando álcool

Ele – faz que acorda
cerra os olhos
quase abre

Ela – o compele
sacode o corpo pelos ombros
certa delicadeza na revolta

Ele – acorda
um sobressalto e tonteia
estabaca na cama

Ela – abre a porta
indica a saída

Ele – senta-se na cama
calça sem pressa os sapatos

Ela – abranda
afrouxa os ombros
reconsidera;
não corre mais risco

Ele – olha a moça 
nos olhos de ressaca 
indo à mormaço
apaziguando
tornando gris

Ela – observa
acomete certo instinto maternal;
os gestos moles do bêbado
latino, bigodes espessos, estatura mediana

Ela – fecha a porta.

sábado

"já me matei faz muito tempo
me matei quando o tempo era escasso
e o que havia entre o tempo e o espaço
era o de sempre
nunca mesmo o sempre passo

morrer faz bem à vista e ao baço
melhora o ritmo do pulso
e clareia a alma

morrer de vez em quando
é a única coisa que me acalma"
poema do leminski

desconcertante transtorno e certa veia zoomórfica:

pombo embebido em fuligem futucando alumínio
ácaro incrustado em paletó puído de ombreiras cor de catarro
felino de hábito noturno e andamento de anca ágil quase frágil, ardiloso
peixe à se pensar sereia numa frigideira engordurada
mosca circundando bosta pra pousar na sopa







//num sentido específico/ seio de menina púbere à proeminente câncer benigno/ protuberante acresce agora pelo vazio não exatamente se há ou ar havia/ corpo tomando espaço naquilo ao largo quiçá não seu / alargamento da carne que talvez goela/ supostamente entorno/ dissolução do contorno//

sexta-feira

sobre o poema posto anteriormente, primeiro leia-o, sim?

mas esse texto eles nunca receberam ou receberão, porque não acho que são hábeis pra tirar daí o que eu gostaria que tirassem e talvez porque não confie neles.


Dever de casa
ou
Manual abortivo para machos (um sample uterino)
ou
Reutilização hormonal: sádicofilantrópica ou informativo-educacional à analista de Bagé?

Eu quero que vocês três leiam isso e que se possível dessa vez respeitem tanto minha privacidade quanto meu silêncio, porque não pretendo retomar esse assunto.
Minha intenção embora pareça dura é demonstrar da maneira mais fiel que conheço a experiência, os reais motivos, e a crítica.
Entendam, no discurso dos três eu estive quase que muda e em ambos imperava tanto a alegoria dum futuro absolutamente saturada, isso é, elevada ao máximo imaginável de percalços possíveis, isso é, digna dum drama épico embora imbuída das preocupações mais mesquinhas e socialmente embasadas do homem moderno (o adjetivo socialmente é aqui empregado com um puta demérito) quanto a redundância. Crônica e surda.
Estou me utilizando dos mesmos métodos, das mesmas medidas e da mesma ênfase embora tenha certeza de que o efeito não será o mesmo, considere a ausência de útero e de talvez capacidade de se outrar imprescindíveis no caso, além de aproveitar a deixa embasada na constatação de que vocês têm uma idéia muito pouco clara das minhas opiniões, possíveis reações, diretrizes, emoções, etc. de fato não surpreende, já que boa parte delas eu não coloco com facilidade e já que sem bons ouvintes um mau palestrante não tem como se colocar firmemente (salvo quando histérico, o que obviamente compromete a validade do discurso).
Não, um poema não é um tratado psiquiátrico em que os sintomas podem ser descritos de maneira objetiva, mas segundo a psicanalista que freqüento (me parece que segundo Freud também) a poesia “está à frente da psicanálise, um passo adiante” (nas palavras dela, não dele) e na minha livre interpretação da idéia consiste numa habilidade, tão válida quanto o sonho ou o delírio, de acessar o inconsciente embora apresente as mesmas vantagens da livre associação quanto a possibilidade de trazer quase que imediatamente à tona (considerando certas habilidades de derrocar paredes morais e travas mentais e de análise textual que acho válido qualquer ser humano tentar desenvolver).
Pro caso de um poema não ser claro, posto que era meu e exclusivamente enquanto parido bem como esse texto é meu e exclusivamente enquanto escrevo e o que pretendo aqui é clarificar questões que vão firmando no real enquanto espanco esse teclado e que não necessariamente pretendo chegar a por à público. Reiterando, me refiro aos três.
O título “prece” é resultante duma ironia fenotípica recorrente em vários momentos do texto, nesse caso em particular justificada pela ausência de qualquer traço religioso em minha personalidade salvo a moral cristã de que somos todos imbuídos pela infeliz colonização de que somos fruto com a qual tenho estado em embate quase permanente há alguns anos e do ritmo que pretendi dar a poesia até o ponto em que as estrofes iniciam em minúscula.
“Esse coágulo/Novo coágulo atado em mim” faz referência as dores abdominais que me andam auxiliando no desenvolvimento duma dificuldade digna de parto para cagar e que segundo uma recente ultra (análogo feminino para exame de próstata ou um adicional, considerando que as fêmeas possuem ambas as possibilidades) feita quinze minutos antes de começar o sangramento que por sua vez acometeu-me uma hora depois de um exame ginecológico pouco menos invasivo e seis ou sete dias depois da data prevista e ao outro aborto pelo qual passei, também doloroso mas consideravelmente mais ameno emocional e fisicamente.
Em “Novamente desatado laço/ Meu bebê a bordo/ Meu aborto” há uma retomada da idéia apresentada anteriormente, uma alusão a laços sanguíneos, certa carga irônica em uma referência a adesivos de carro e possivelmente um filme z e ainda se manifestam sinais claros de dor.
“Meu morto” exerce uma função lapidar no texto (nos dois sentidos possíveis) já que “Lastro do laço desfeito e torto/Talvez gerado sobre a areia esfriada/Pela lua e pelo céu e pelo sêmen/Numa ilha e num hotel e numa rua escura” é um desvio, uma confabulação sobre a concepção do feto que pretende transformar aquilo que seria uma prece em blasfêmia por esporte e princípios, além duma alusão ao poema “neste lençol” devo dizer dotada de todos os meus pudores, possivelmente freudiana. “Esse coágulo/Novo coágulo retido/Nesse ventre que insiste em ser instinto” tem a função de reiterar e retomar o tema central, o aborto. Então “Arde ainda que a razão lhe tenha dito” é a deixa de vocês.
Em “Audito, até a persiana/onde deleitavam horas tortas/de imiscuir-se num possível drama/se o jornal andava como mantra/ kadafi, tsunami, obama” não tenho certeza se deleitavam está adequadamente colocado, a intenção era suprimir um “outros”que refere-se a qualquer pessoa, essa estrofe demarca o fim da prece e foi uma tentativa de alusão um tanto torta a poetas como Gregório de Matos , Bernardo Guimarães, Bocage, entre outros tantos que li parcamente e de quem agora sequelarei o nome sem receios, em poesias de escárnio e mal dizer. É o ponto em que eclode a veia irônica ou em que ela transcende e torna-se sarcasmo e também faz referência ao solilóquio de um de vocês, mais precisamente a circunstância em que ele se deu enquanto “um filho sem pai ou pão ou pleito/cujo peso é cifra e sem direito” faz alusão aos argumentos utilizados por vocês de maneira sucinta e clara e não contundente, prolixa, redundante, insensível, covarde, e digna dum rolo compressor (uma imagem mental que costumo utilizar quando se trata dum individuo ou um grupo de indivíduos da espécie a que inafortunadamente pertencemos que age exatamente como todos os outros ao sobrepor suas demandas ou desejos às de outro ou outros animaizinhos destes que por algum motivo, seja ele de foro emocional, físico ou situacional, estão em desvantagem. ainda que seja uma atitude padrão por vezes ela pode entrar em confronto com a dita moral cristã ou com a ética, que no meu caso inclui preceitos básicos como escutar o outro, respeitar as decisões dele, não pressionar, apenas expor delicada e conscientemente seu ponto e respeitar a porra do silêncio e da privacidade do outro, o que todos vocês deveriam ter aprendido nos filmes 2d da Disney ou num canal educativo ou no tranco, depois de tantos anos convivendo entre si e com suas respectivas cônjuges)
“de ir cegar-se como todo o mundo” faz alusão ao ato de dar a luz, ao “ensaio sobre a cegueira” e àquilo que o Saramago parece ter tencionado demonstrar com o livro.
“Mundo” em maiúscula pode ser considerado outra lápide ou uma tentativa de explicitar o quanto pesa, já “o ventre redondando repetia/rola logo atrás do teu encalço/há de lhe tombar pelo cadarço/macerar-lhe tripa, tronco, traço/trazer-lhe o pulmão pela traquéia” é a descrição detalhada do efeito de algo similar a um rolo compressor, uma esfera grande ao passar sobre um corpo, bem como um depoimento das razões que me moveram a fazer um aborto num feto que tinha mãos, braços, pernas, cabeça, tronco e um coração batendo, ainda que “com a compreensão de um girino” nas palavras de algum de vocês, isto é, eu não posso botar um filho no mundo porque tenho um medo fodido de não poder ensiná-lo a gostar e a se proteger dele, uma vez que não saiba ainda como fazê-lo.
O ventre é como designei um alter ego maternal, que tem voz nesse ponto. “multidão” iniciando em minúscula pretendia suscitar a imagem de um formigueiro embora não seja exatamente óbvio, em “o ventre que aplainava retinia/ essa que apregoa linchamentos/há de lhe enviar beijos augustos” segue a mesma voz,e tem uma referência a “versos íntimos” do Augusto dos Anjos.
e ofertar-lhe bons ensinamentos” é um indicativo de que essas idéias são aquelas apreendidas através do meio, das minhas impressões dele.
“a saliva sabe a escorbuto/a medea lecionava drama” é referência a um texto de Ricardo Domeneck aprendendo a fazer drama com os melhores-lição 2-método medéicoque é parte de uma série que poderá ser indicada como leitura complementar, certamente enriqueceria os termos/temas aqui abordados.
Finalmente, “há o louco, o bom, e o bandido/nos possíveis rótulos da trama” é uma alusão dotada de ironia sobre as possibilidades de enquadramento (ou rótulo, aí como um pejorativo porque inevitavelmente reduz e por ser o mecanismo facilitador no sentido do distanciamento e da simplificação para uma compreensão indolor e torpe do infeliz eu lírico, que afinal se expôs por sua dita conta e risco).

ps: curioso é escrito com sangue, passível de ser lido em anilina.

esses dias e duma tacada.

prece

Esse coágulo
Novo coágulo atado em mim

Novamente desatado laço
Meu bebê à bordo
Meu aborto

Meu morto

Lastro do laço desfeito e torto
Talvez gerado sobre a areia esfriada
Pela lua e pelo céu e pelo sêmen
Numa ilha e num hotel e numa rua escura

Esse coágulo
Novo coágulo retido
Nesse ventre que insiste em ser instinto

Arde ainda que a razão lhe tenha dito

Audito, até a persiana
onde deleitavam horas tortas
de imiscuir-se num possível drama
se o jornal andava como mantra
kadafi, tsunami, obama

um filho sem pai ou pão ou pleito
cujo peso é cifra e sem direito
de ir cegar-se como todo o mundo

Mundo

o ventre redondando repetia
rola logo atrás do teu encalço
há de lhe tombar pelo cadarço
macerar-lhe tripa, tronco, traço
trazer-lhe o pulmão pela traquéia

multidão

o ventre que aplainava retinia
essa que apregoa linchamentos
há de lhe enviar beijos augustos

e ofertar-lhe bons ensinamentos

a saliva sabe a escorbuto
a medea lecionava drama
há o louco, o bom e o bandido
nos possíveis rótulos da trama






..........................................................






fuço espaço
como quem fuma
como quem cai
como quem espia a fechadura
mesmo gesto gasto
meço nuance na gastura

espero

tempo empoeirar o livro
intocado em prateleira estática

mofo enrodilhar a fruta
de tão morta avessa mesmo a mosca

lâmpada de luz enxuta
tão somente vidro ali pendido


traço

de mim define face
azeda
desfia
desfigura



centro

engulo, engasgo, regurgito

                                      não contém

oco
vaso

cacos numa várzea


mito






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pútridopuído

ser sempre o mesmo
poema desde o primeiro poema
sempre o mesmo primeiro poema
o mesmo poema primeiro
sempre sendo o mesmo

tecido à ser

ser sempre o mesmo poema
desde o primeiro poema sempre
o mesmo primeiro poema
o mesmo poema
primeiro sempre sendo o mesmo

à ser tecido

ser sempre
o mesmo poema desde o primeiro
poema sempre o mesmo primeiro
poema o mesmo poema primeiro
sempre sendo o mesmo

pútridopuído


...................

domingo

Vitalício

Afogo

“Se tanto me dói que as horas passem”
Pra que usar a cabeça tão erguida se o pescoço torto se curva como caule?
Se fechei os olhos ou apaguei a luz
Foi para não ver
O que a cegueira não deu conta

Desafinando o suspiro
Respiro. O último ar do dia – Em vão
Se esvai pelas minhas pernas
O que o ventre não segura
O que nas horas já não cabe

Me atrevi (a)pagar
Feito vento
Lapsos de tinta espalhados pelo chão

Suada
Percorri com os dedos
A própria pele
O que a carne descuidada
Exilou

Correnteza quando forte
Leva ao peito
O silêncio
Que a criança não fechou

Vitalício sangra como as mulheres
Resquícios de um tempo
Em que o mundo desandou

A cidade desabitada
Dorme a salvo
Já que a mãe
Vendida como suja
Já ventou

sábado

é preciso sair de si e de longe se reconhecer no si póstumo então voltar a si, cabendo.
se caber perfeitamente pra então repetir o movimento do ângulo antigo feito novo pro aspecto novo feito antigo.
faço testes socio-antropológicos, me tenho de cobaia.